“A guerra da desinformação e a batalha inglória pela verdade”

Em artigo publicado em O Estado de S.Paulo, os diretores da Confederação Israelita do Brasil, Rony Vainzof e Marc Tawil, abordaram o perigo da desinformação no conflito. Leia a seguir a íntegra do texto:

Notícias falsas, deturpadas e incompletas, boatos e propagação de conteúdo sem checagem e confirmação dos fatos, com alta disseminação social, não são fenômenos novos.

Antes da revolução digital e do mundo interconectado, os perigos das notícias falsas sempre estiveram presentes em nossa vida. Infelizmente.

Possivelmente, o maior exemplo do perigo de notícias falsas para a humanidade seja o Holocausto. O Ministério da Propaganda nazista de Joseph Goebbels servia para disseminar conteúdo inverídico e discriminatório contra judeus e outras minorias, utilizando meios como imprensa, cinema, rádio e teatro para teorias conspiratórias antissemitas. Afinal, para Goebbels, “uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”.

Já no palco deste intenso início de década, quando a revolução tecnológica harmoniza com as complexidades da condição humana, somos, ao mesmo tempo, espectadores atentos e protagonistas ativos de uma história sem precedentes que se desdobra diante de nós.

Não por acaso, na era da rápida velocidade de produção e circulação da informação, fake news foi eleita a palavra do ano em 2017, e a expressão pós-verdade em 2016, quando fatos objetivos têm menos poder de influência na formação da opinião pública do que apelos a emoções ou crenças pessoais.

Ou seja, vivemos um perigoso momento de ausência de autoridades para selecionar, classificar e confirmar fatos antes de noticiá-los, pondo em xeque os modelos atuais do jornalismo, que sempre combateu os perigos da desinformação e descontrole informacional das redes sociais, sob a alegação de privilegiar conteúdos chamativos, mesmo que inverídicos, diante do ganho financeiro.

Profissionais de conteúdo ou meros usuários de redes sociais estão deixando de se perguntar ou se importar se a notícia é verdadeira ou falsa, se os fatos estão bem assentados ou se a fonte é confiável.

Em 2020, a pandemia de covid-19 revelou, de forma dramática, a rapidez com que informações falsas podem se espalhar e ter impacto na saúde pública. Redes sociais, governos, organizações de saúde e meios de comunicação travaram combate incansável contra o tsunami desinformativo que ameaçava vidas e a estabilidade da sociedade.

Culpar apenas as redes sociais e seus usuários por este panorama de desinformação seria injusto, uma vez que instituições renomadas e parte da imprensa também têm sua parcela de responsabilidade ao priorizar visões ou narrativas unilaterais, em detrimento da checagem dos fatos – o que se impõe, de forma ainda mais latente, num período de guerras.

Foi assim no dia da notícia do suposto ataque ao Hospital Ahli Arab, em Gaza: portais do mundo inteiro se precipitaram em acusar Israel “de atacar um centro de saúde lotado, matando mais de 500 pessoas”, confiando cegamente num grupo terrorista, inflamando nações inteiras ao redor do mundo e impulsionando o discurso de ódio e a violência.

Poucas horas depois, havia evidências de que o míssil partira da Jihad Islâmica, grupo terrorista de Gaza, de que a quantidade de vítimas era incerta (chegou-se a falar em 50 pessoas), assim como, até mesmo, de que o local do evento era um estacionamento, e não o interior do hospital.

Neste momento crítico para israelenses e palestinos, é fundamental reconhecer que a verdade está em jogo e que a História está sendo escrita num palco onde a tecnologia, a comunicação e a condição humana se entrelaçam numa narrativa sem precedentes.

O combate à desinformação é um esforço coletivo, que exige a participação ativa de todos, desde jornalistas e agências de verificação de fatos até plataformas e os seus bilhões de usuários. Isso porque a desinformação é uma ameaça que não apenas distorce a realidade, como igualmente coloca vidas em perigo. Numa guerra em andamento, como a de Israel contra o grupo terrorista Hamas, ela pode ser ainda mais letal.

Uma mentira organizada e generalizada, ainda que seja incapaz de substituir a verdade e produzir uma nova, tem a força de destruir a verdade factual, talvez de maneira irrecuperável, já dizia Hannah Arendt, em 1967.

Perseguir incessantemente a verdade é, ou deveria ser, um valor inegociável.