Israelense cria “Netflix para neurodiversos”, o primeiro canal de streaming para crianças autistas

Tudo começou quando o empresário de mídia Gilad Piker percebeu que seu sobrinho de 15 anos – que tem autismo e não fala – não se interessava pelo desenho animado que passava na TV, mas ficava fascinado pelos créditos no final.

Então ele desenvolveu a plataforma “Poppins”, o primeiro canal de streaming de vídeo do mundo projetado especificamente para pessoas que experimentam e interagem com o mundo ao seu redor de maneiras diferentes.

“Queremos criar uma solução única para crianças especiais, fornecendo conteúdo relevante e adequado à idade e acomodando suas preferências visuais”, explicou Piker. “Estamos tentando levar as crianças autistas ao seu potencial máximo usando tecnologia e vídeos de qualidade”.

Ele afirma que as crianças com autismo muitas vezes reproduzem o mesmo vídeo ou até mesmo a mesma cena diversas vezes, mas ficam ansiosas ao assistir programas novos ou desconhecidos. Com lançamento previsto para o final deste ano, a plataforma Poppins pretende mudar isso, ampliando seus horizontes em relação ao conteúdo que assistem e também à forma como assistem.

O primeiro passo foi desenvolver uma ferramenta de ajuste visual – filtros que ajudam as crianças a focar e se concentrar no que estão assistindo.

Crianças autistas geralmente têm dificuldades com o processamento sensorial. O vidget – um widget de vídeo projetado pela Poppins – permite, por exemplo, reduzir a saturação de cores ou assistir a programas com contornos de desenhos animados, para que fiquem menos sobrecarregados.

O conteúdo também pode ser exibido em um cenário dentro da tela. “O espectador pode não estar disposto a explorar um novo conteúdo, mas se você colocá-lo em um cenário familiar, aquilo deixa de ser novo”.

Ele e sua equipe começaram a montar uma biblioteca de conteúdos adequados. Muitos espectadores autistas ficam confusos com um grande número de personagens, emoções complexas, violência, cenas onde não está claro o que está acontecendo, ou quando a voz que ouvem não é a da pessoa que veem na tela. Eles também são mais propensos a se sentirem incomodados por explosões, ruídos altos, luzes piscando, e acalmados por filmagens de um elevador ou uma porta giratória. Dessa forma, o programa infantil de super-heróis Power Rangers está fora (muito agitado, barulhento e violento), mas Arthur, a série animada sobre um curioso porco-da-terra, foi incluído.

“Selecionamos centenas de horas de conteúdo de programas de todo o mundo que são enriquecedores e divertidos, acessíveis, populares e sem estímulos (ou seja, não causam transtornos) para crianças sensíveis”.

A Poppins está licenciando uma série de programas de TV que atendem a seu rigoroso conjunto de critérios e também produzirá seu próprio conteúdo educacional. A empresa está planejando séries sobre como as viagens de trem eram feitas antigamente, sobre como as expressões faciais revelam nossas emoções, sobre limpeza, culinária e jardinagem, além de uma série de livros infantis clássicos lidos em voz suave e reconfortante.

Ao analisar as preferências de visualização dos usuários usando inteligência artificial, a Poppins também dará aos pais e cuidadores uma janela para seu mundo interior.

“Coletamos dados e criamos um perfil de usuário único. Ao fazer isso, podemos compartilhar insights acionáveis com os pais. “Podemos dizer o que seu filho gosta. Por exemplo, uma criança que fica assistindo a passeios de elevador e aviões decolando do aeroporto tem interesse em movimento vertical. Ou podemos ver que o tempo de atenção da criança é de 60 segundos e sugerir trabalhar através de mensagens curtas com ela. Obtemos um perfil de usuário e compartilhamos os dados com os pais e cuidadores para que eles possam usá-los para se comunicar melhor com as crianças com autismo”.

De acordo com os próprios testes da Poppins, os espectadores que experimentaram sua plataforma ficaram mais engajados e atentos e mais preparados para a hora de passar de programas infantis para séries para jovens adultos.

Piker lembra como seu sobrinho foi fonte de inspiração para a Poppins. “Ele assistia conteúdo para crianças e bebês, como Baby TV e Teletubbies. Sempre que via os créditos finais, ficava parado na frente da tela, como se fosse a coisa mais fascinante que já tinha visto. Ele é não-verbal, então você não pode perguntar e, portanto, não sabe o que se passa, mas foi um comportamento muito visual”.

Piker fez para seu sobrinho um vídeo de 30 minutos no formato de créditos finais de seu aniversário, intercalados com felicitações e mensagens. “No momento em que apertei o play, ele simplesmente se levantou na frente da tela e assistiu a meia hora inteira”.

Isso o levou a pesquisar o que crianças autistas assistem, se aprofundar no assunto e falar com terapeutas e pesquisadores. “Percebi que o consumo de mídias pelas crianças com autismo tende a ser muito diferente e distinto. E cada criança tem seu jeito. Mas, por outro lado, há padrões claros que emergem. Alguns adolescentes assistem apenas programas para crianças, outros assistem apenas animações, nada ao vivo ou com pessoas, porque se sentem desconfortáveis com as interações sociais ou com o contato visual. Alguns gostam apenas de imagens de baixa resolução, no estilo VHS. Muitos outros gostam de títulos de filmes, passeios de elevador, trens ou qualquer conteúdo visual atraente. E se interessam mais pelo visual do que pela história”.

Piker agora lidera uma equipe de especialistas em autismo e animação na Snowflix, a empresa por trás da Poppins. Ele planeja, inicialmente, entrar no mercado americano, cobrando uma assinatura mensal pelo serviço.

Existem aproximadamente sete milhões de autistas nos Estados Unidos e um mercado bem estabelecido para serviços de streaming – com 250 canais que exibem de tudo, desde novelas asiáticas a programas para cães que ficam sozinhos em casa.

Fonte: Israel Trade