Entrevista: Sérgio Levi, brasileiro que participou da missão de Israel à Lua



Nascido em São Paulo e morando em Israel há quatro décadas, o engenheiro aeroespacial Sérgio Levi trabalha há dois anos na equipe de dinâmica de pouso da SpaceIL, a startup israelense que tinha como objetivo levar uma espaçonave não tripulada à Lua. A poucas dezenas de metros do satélite, o motor da espaçonave falhou e ela se espatifou em solo lunar. “A missão foi um sucesso pelo fato de que chegamos em condições de pouso. É como cumprir 95% do objetivo”, afirma ele.

Por que a Beresheet não conseguiu pousar como deveria na Lua?
Ainda vai haver uma investigação, mas parece que foi algo ligado ao sistema Inertial Measurement Unit, necessário para o controle da espaçonave. Houve uma falha, que acabou gerando problemas no computador da nave e ordenando o desligamento do motor principal. E nessa fase da alunissagem é proibido desligar o motor. Poucos segundos depois que o motor se desligou, já não dava mais para brecar a espaçonave e ela acabou não realizando o pouso suave como tinha sido planejado.

Não deu para identificar essa falha do IMU a tempo?
Não. Uma vez que faltou comunicação com a espaçonave por causa de um problema de comunicação, não deu para determinar em questão de segundos o que estava acontecendo e mandar uma ordem para uma possível correção.

A navegação, da qual o senhor participou, deu problema?
Não, mas foi bem desafiadora. Era um assunto no qual eu tinha uma certa experiência, mas nunca tinha ido tão longe assim, à Lua. Calculamos a órbita da espaçonave para saber qual é o apogeu, a altura máxima e outros dados. Encomendamos equipamento de uma empresa sueca para fazer essas medidas, mas elas estavam chegando com muita interferência. Mas, felizmente, com tempo, a situação melhorou. Quando chegamos à órbita da Lua, tínhamos uma precisão excelente, de 100 metros de altura.

Não dá para esconder a frustração…
A gente queria ter chegado lá, ter sido o quarto país do mundo a pousar na Lua, mas tudo bem. Às vezes é melhor saber que a gente está avançando, que essas coisas não são fáceis. Os soviéticos, que foram os primeiros a pousar na Lua com sondas não tripuladas, não conseguiram de primeira. Ninguém conseguiu. Não há dúvida de que há frustração, mas estamos recebendo apoio. Todos dizem: “valeu, vamos para a próxima”. Então já estou saindo rápido dessa frustração e contente de ter realizado uma espécie de acrobacia espacial: levar a nave, através de manobras realizadas por minha equipe, de forma perfeita para chegar exatamente ao lugar do pouso na altura certa, com a precisão correta.

A missão foi um fracasso?
Infelizmente o pouso não deu certo. Mas a missão foi um sucesso pelo fato de que chegamos em condições de pouso. É como cumprir 95% do objetivo.

O que foi alcançado?
Esse projeto tinha um objetivo científico. Um pesquisador do Instituto Weizmann, na cidade de Rehovot, o doutor Oded Aharonson, queria obter medidas do campo magnético perto da superfície da Lua. E conseguiu. Ele reuniu a nossa equipe de engenheiros logo depois de sabermos que a alunissagem não foi realizada até o fim e disse: saibam que eu vi os dados de telemetria do campo magnético na descida e foi a primeira vez que esse campo foi registrado tão próximo ao solo. Teve outras vitórias também.

Quais?
A educacional, por exemplo. A ideia central era despertar na juventude o interesse para estudar, para se dedicar ao estudo de física, de matemática. Assim como houve o “efeito Apollo” nos EUA, aqui temos o “efeito Beresheet”. As pessoas falam na rua sobre isso. Tive várias oportunidades de dar palestras sobre esse projeto para crianças, jovens e idosos. E o objetivo, talvez o principal para a ciência, foi a cooperação entre uma startup, a SpaceIL, e o governo através da Indústria Aeronáutica de Israel. Esse tipo de modelo pode ajudar a levar adiante pesquisas nesse campo.

Será que o Brasil poderia também se voltar para esse tipo de missão?
O Brasil tem um programa espacial muito bonito. Tive a oportunidade de visitar o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e conversar com pesquisadores. Fiquei bem impressionado. Seria interessante se houvesse algum tipo de colaboração com o Brasil em um projeto futuro.

Entrevista concedida a Daniela Kresch/Folha SP