Disrupção na pandemia

Texto: Frederico Pompeu, publicado na Exame
Como católico, eu sempre quis conhecer Israel. Estudando sobre o país, percebi que esse não era apenas um desejo meu, mas de provavelmente metade da população do planeta. Digo isso porque Jerusalém pode ser chamada de capital mundial da fé, sendo um lugar sagrado para mais de 4 bilhões de judeus, católicos e muçulmanos. Curiosamente, não foram a fé nem sua história que me levaram a esse país, mas, sim, a inovação.

Israel é um dos principais polos tecnológicos do mundo. Um país com população equivalente à de Nova York, do tamanho de Sergipe, sem recursos naturais, mas com mais patentes registradas do que qualquer outro país no mundo e com mais de 20 “unicórnios”, entre eles o Waze. E foi no ano passado, quando fui com um grupo de investidores para Israel, que me encontrei pela primeira vez com o Uri Levine, fundador desse aplicativo, que está presente em um dos ativos de real estate mais valiosos de hoje em dia: a primeira tela do meu celular. Durante um almoço super agradável, com vista para o Mar Mediterrâneo, pudemos conhecer um pouco mais de sua história, das principais tendências de mercado e, o que mais chamou a minha atenção, explorar sua visão sobre disrupção.

Segundo Levine, “disrupção não tem necessariamente a ver com uma tecnologia disruptiva. Disrupção é mudar o jeito como fazemos as coisas ou o jeito como nos comportamos. A disrupção vem, às vezes, via um produto novo, mas pode vir também via um novo preço. Se você for o primeiro a oferecer um produto gratuito de maneira eficiente (o Waze, por exemplo, é gratuito), ninguém mais poderá cobrar por aquele produto”. E se tem uma coisa que esta pandemia vem fazendo é mudar a forma como nos comportamos, não é mesmo?

Esse vírus acabou criando novos hábitos, como o distanciamento social e o trabalho de casa. Algumas tendências foram aceleradas e amplificadas, como plataformas de jogos sociais, startups que ajudam a manter a forma e a saúde sem sair de casa, fintechs e bancos digitais. De acordo com Satya Nadella, CEO da Microsoft, “estamos vendo dois anos de transformação digital acontecerem em dois meses”.

Os investidores estão aportando dinheiro em startups cujos modelos de negócios atendem um mundo em pausa, um mundo onde os shows e as formaturas têm ocorrido dentro de jogos como o Fortnite. Os esports são um dos segmentos que mais crescem no mundo, e o momento atual parece uma oportunidade única para eles atraírem ainda mais pessoas para jogar online ou mesmo para os videogames em geral. O fenômeno das lives também invadiu o mundo dos games e atingiu números ainda mais impressionantes do que os do YouTube. O rapper americano Travis Scott fez uma turnê de cinco dias no Fortnite, em abril, que ultrapassou 45 milhões de visualizações. Isso equivale a cinco vezes a população de Israel, por exemplo. Como pode imaginar, segurar a atenção de 45 milhões de pessoas vale dinheiro. Não é por acaso que a Epic Games, dona do jogo, foi avaliada em mais de 15 bilhões de dólares em seu último round.

As startups que buscam o bem-estar e a vida saudável sem sair de casa também atraem atenção e recursos. Você alguma vez já fez exercícios de frente para o espelho? E se esse espelho fosse, na verdade, um espelho inteligente? Um espelho que custa aproximadamente 8.000 reais, que é montado em sua parede e transmite aulas de ginástica por streaming? Essa é a Mirror, startup que acabou de ser comprada por 500 milhões de dólares pela marca de roupas esportivas Lululemon. O CEO da empresa canadense, Calvin McDonald, observou que a Mirror vem com seu próprio modelo de receita (cobra 39 dólares por mês pelas aulas), com o qual ele e sua equipe estão “empolgados”.

E como falar de mudança de padrão comportamental sem falar das fintechs e dos bancos online? Abrir uma conta num banco ou solicitar um cartão de crédito agora pode ser feito digitalmente, sem o velho costume de ir a uma agência. E o que isso significa? Significa que os bancos não precisam mais ter necessariamente uma presença local. O que eles precisam hoje para crescer é oferecer experiências excepcionais a seus clientes, encantando-os em todos os pontos de contato. Dadas a maior oferta e a menor fricção desta era digital, o objetivo de todos os bancos deve ser fazer o que for do melhor interesse de seus clientes, empoderando-os financeiramente. Os que tiverem a melhor userexperience, facilidade no uso, transparência, segurança e personalização na oferta de produtos e serviços serão os grandes vencedores desta nova era digital. Seja no Brasil, seja no mundo.

Voltando a Uri Levine, ele me disse que percebeu o poder da disrupção quando pediu a seu filho para levá-lo ao aeroporto de Tel-Aviv e este respondeu que não podia porque estava com seu celular quebrado. Levine disse que ele não precisava se preocupar, porque poderia guiá-lo até lá. Foi quando seu filho respondeu: “E como eu volto para casa?” Pode parecer engraçado, mas mostra um pouco como estamos cada vez mais dependentes de nossos smartphones e de novas tecnologias. Com o 5G, as pessoas terão uma conectividade ainda melhor e a experiência de acessar de forma totalmente digital muitos dos serviços que hoje são manuais.

A saga covid-19 chegará ao fim, sem dúvida. Voltaremos à nossa vida e poderemos abraçar nossos amigos novamente. Mas essa vida será significativamente diferente da que tínhamos antes. Com certeza muito mais digital… as possibilidades são infinitas.