Conib e FIERJ lamentam iniciativa do Exército brasileiro de homenagear oficial que lutou a favor do nazismo

No dia 01 de julho, o Exército brasileiro prestou homenageou Eduard Ernest Thilo Otto Maximilian von Westernhagen, que lutou com o exército nazista e que foi morto a tiros em 1968, no Rio de Janeiro, em uma ação do grupo armado Colina (Comando de Libertação Nacional).

Fernando Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), assim se manifestou: “Estranhamos que, a pretexto de condenar ações armadas no Brasil da década de 60, nosso respeitado Exército Brasileiro tenha decidido homenagear um oficial alemão que, durante a Segunda Guerra Mundial, participou da ocupação da França e da União Soviética, lugares onde as tropas nazistas sabidamente perpetraram crimes contra a humanidade, inclusive e principalmente contra as comunidades judaicas locais. Estranhamos também que a nota não tenha feito menção ao fato de o Brasil ter lutado contra a Alemanha e ao lado dos Aliados naquele conflito. Discutir a História é sempre válido. Mas omitir aspectos fundamentais pode levar a um perigoso revisionismo”.


Texto de Israel Blajberg

Um olhar mais abrangente sobre a homenagem do Exercito Brasileiro ao Major Otto Von Westernhagen, assassinado em 1968 no Rio de Janeiro Ao completar 51 anos da sua morte, o Major Otto reapareceu no noticiário. A homenagem prestada causou polemica, alimentada que foi pelas contradições surgidas, agravadas pelo momento de elevada polarização da opinião pública.

Uma tradição militar usual é de homenagear os que tombaram em combate, ou mesmo em serviço, como foi o caso do Major Otto. A presença do Capitão de Mar e Guerra Ralf Gunther Schimitt-Raiser, Adido de Defesa da Alemanha no Brasil, significa que a ECEME pretendeu homenagear um antigo aluno de Nação Amiga falecido.
No entre-guerras o Exercito Brasileiro enviava oficiais brasileiros para estagios e cursos, e comprava material bélico na Alemanha. No pós-guerra a República Federal da Alemanha aderiu à OTAN, sendo formado um novo exército, mas não como sucessor da Whermacht, sendo que por falta de opções muitos ex oficiais dos exércitos de Hitler tiveram de ser aproveitados. Eram os tempos da Guerra Fria, da OTAN x Pacto de Varsovia.

Neste quadro se insere o Major Otto, um dos oficiais cogitados para o novo exercito, em geral por serem julgados como não tendo um passado associado ao nazismo, nem como soldados da Wermacht, SS, agentes da Gestapo, culpados de atrocidades ou perpetradores do Holocausto como criminosos de guerra ou nazistas convictos. Claro que julgamento precário. Bem ou mal a RFA seria uma nova Alemanha, não mais o III Reich. A vinda do Major Otto para cursar a ECEME foi portanto uma consequencia dessa nova geopolítica, quando também oficiais brasileiros voltaram a cursar as Escolas militares alemãs, o que ocorre até hoje, bem como a compra de material bélico da Alemanha. Entretanto, não é tão simples quanto parece. Por trás de uma singela homenagem pairam os
espectros de milhoes de vitimas inocentes. Ainda que o Major Otto eventualmente até pudesse ser um anti-nazista convicto.

O impacto da homenagem ao MAjor Otto sobre a opiniao publica foi intenso, agravado pela dificuldade de entendimento da questão, entretanto seria prudente evitar uma interpretação apressada, como será exposto a seguir. É possivel que o MAjor Otto nao tivesse um passado comprometedor, já que foi chamado de volta em 1955 para integrar o novo exercito da RFA, o Heer, ou Bundeswher, que nada teria a ver com a antiga Whermacht e seus crimes de guerra. Na nova força só ingressariam aqueles de passado limpo. Os elogios a carreira militar do major produzidos durante a homenagem, talvez nem muito recomendáveis, em tese advém exclusivamente pelo seu valor militar intrinseco, tal como ocorre com os estudos de caso sobre generais nazistas, suas táticas de blitzkrieg, suas batalhas, seus blindados, até hoje objeto de estudo em academias militares pelo mundo afora,
nada tendo a ver com admiração pelo nazismo, trata-se puramente de estudos estrategicos e historia. O ideal seria que nem fossem estudados, para evitar uma certa apologia do nazismo.

Certamente nao é necessario ressaltar como o assunto é delicado, sensibilza negativamente, e causa extremo sofrimento aos sobreviventes, mesmo na hipotese que pretendemos provar, de que não se tratou de maneira alguma de apologia ao nazismo. E hoje, cada judeu é de certo modo um sobrevivente, tendo ainda de lutar contra o antisemitismo e o neonazismo. Em 1952, 16 anos antes do Major Otto desembarcar no Brasil, David Ben-Gurion já iniciava contatos informais com o Chanceler Adenauer. Em 1956, durante a Guerra do Sinai, a Alemanha deu a partida para uma ativa cooperação com o jovem Estado de Israel no campo militar. 50 oficiais das FDI foram treinados em escolas militares na Alemanha, certamente por companheiros do Major Otto. Seriam estes instrutores germanicos tambem nazistas?

Por sua vez, uma delegação de instrutores e experts militares alemaes foi mandada para Israel a fim de assessorar as FDI. Tambem estes seriam nazistas, colegas do Major Otto? Nesta oportunidade, os Ministerios da Defesa dos dois paises assinaram contratos de fornecimento de material militar alemão dos mais variados tipos, em particular artilharia e lanchas de patrulha, no valor de 60 milhoes de marcos. Portanto a mesma Bundeswehr a que pertenceu o Major Otto estava treinando intensivamente especialistas das FDI e da industria militar de
Israel. Seriam tambem nazistas? Em 1965 foram afinal estabelecidas relações diplomaticas entre Israel e a RFA, com a abertura de embaixadas nois 2 paises. E quem foi o primeiro embaixador alemao? Ninguem menos que
Rolf Pauls, antigo Oficial da Wehrmacht de 1934 a 1945. Gravemente ferido em combate, recebeu a Cruz de Ferro. Seria ele tambem nazista como o Major Otto? O fato é que Paulus serviu em Israel durante 3 anos. Mas ele não foi o único. Casos assim abundavam no governo, no judiciario, por toda parte. Portanto, assim como o Major Otto, Pauls tinha tambem uma medalha da Whermacht por bravura em combate. E seu vice na embaixada era o antigo
fascista hungaro Alexandre Torok, que em 1950 recebeu cidadania alemã.

Segundo Begin, este foi o legado macabro de Ben Gurion, não sendo surpresa, ele que apenas alguns anos antes havia dado a ordem para bombardear o Altalena. Em 1977 Begin tornou-se o sexto Primeiro Ministro de Israel, rompendo uma sucessao de 31 anos de governos trabalhistas. Mas o mal já estava feito. E hoje o antisemitismo renasce na Alemanha e na Europa em geral. Begin era homem de muitos talentos e de grande paixões. Guerreiro e político, visionario, comandante do IRGUN, o mais popular primeiro-ministro de toda a história de Israel, maior orador da nação – suas palavras incendiavam as plateias. Homem de linha dura, foi o falcão que fez a paz com o Egito, de Anuar Sadat, o que os trabalhistas jamais haviam conseguido. Deu tambem a ordem para destruir o reator atomico do Iraque em 1981. Essa aproximação pragmatica com a Alemanha, hoje esquecida, foi tristemente lamentável, tao pouco tempo após o terrivel Holocausto. Vozes dissonantes se levantaram em Israel,
destacando-se o lider da Oposição, Menachem Begin, entretanto os governos trabalhistas da época detinham maioria no Parlamento, e sob o pretexto da necessidade de indenizar os sobreviventes e de armar Israel contra os inimigos que o rodeiam até hoje, David Ben Gurion deu andamento as negociações. Valeu a pena? Assim ensinou o cristão-novo Fernando Pessoa. A historia é essa. Deixamos ao prudente criterio de cada leitor a conclusao. Se o proprio Estado de Israel aceitou tal grau de cooperação com a Alemanha, porque o Brasil nao poderia tambem manter um intercambio muito menos significativo com a Alemanha, admitindo na ECEME um simples major, e enviando para estudar na Escola de Estado Maior em Bonn outro  major brasileiro?

Como todos sabem, o intercambio com a Alemanha prosperou muito desde entao. Em Israel nem se fala, com exercicios conjuntos entre as FDI e a Bundeswehr, troca de inteligencia em anti-terrorismo, treinamento nas academias de ambos os exercitos. A Alemanha forneceu armas importantissimas para a defesa de Israel, como 4 submarinos da Classe Dolphin, canhoes e blindagem para o carro de combate Merkavá, eletronica de bordo e avionica para os F-16 e helicopteros AH-64 APACHE, motores para navios e lanchas de combate, equipamento
de telecom e muitos outros. A cooperação tecnica militar incluiu o desenvolvimento de sistemas de misseis, comlementares ao Iron Dome, acertado quando Angela Merkel visitou Israel em 2008.
No Brasil tambem aumentou extraordinariamente a cooperação, aumentando o intercambio e
com a grande compra de blindados Leopard.

Face ao exposto, parece nos improprio acusar liminarmente o honrado Exercito Brasileiro de ter homenageado um nazista, pois o Major Otto foi readmitido em 1955 na Bundeswher, colhendo pelo menos o beneficio da duvida de que não tivesse um passado obscuro, assim como Israel tambem aceitou bem antes da chegada do Major Otto ao Brasil, que antigos integrantes da Whermacht servissem como instrutores e conselheiros em Israel. Conclui-se entao que a homenagem feita pelo Exercito foi a um oficial de uma nação amiga assassinado por um comando terrorista há 51 anos atrás. A propria presença do Adido Militar alemão na ECEME durante a homenagem, se deu em função da presumivel aceitação do Major Otto como apto a intregrar o novo Bundeswher. O exército alemão tinha 12 milhões de soldados. Outros milhões serviram na Gestapo, no S.A. e nas S.S. O Major Otto e tantos
milhoes tiveram que servir em alguma fôrça. Milhoes sobreviveram a guerra, entre inocentes e culpados.

O que deve ficar claro, é que o mesmo Exercito que prestou a homenagem ao Major Otto, foi tambem que colocou a Estrela de David no Monumento aos Pracinhas, recebeu a comunidade no mesmo monumento em 27 jan 2019, Dia do Holocausto, bem como muitas outras vezes em comemorações do Levante do Gueto e do Dia do Holocausto, em geral com a presença de Oficiais Generais do Alto Comando, e colocou a placa SALA GENERAL KICIS na sala de instrução do Curso de Artilharia da prestigiosa EsAO – Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, na Vila Militar. Cedeu ainda os Fortes de Copacabana e do Leme para varios lançamento de livros e documentarios sobre os militares judeus brasileiros, festivais de dança isralense, e um sem numero de outros gestos tocantes para com a comunidade judaica. Na mesma ECEME, as taticas das FDI são estudadas, e muitas teses são apresentadas com temas a elas alusivos. A propria BIBLIEX publica livros como a biografia de Rabin.
Enfim, é o mesmo Exercito que há mais de 30 anos mantem uma Aditancia em Tel-Aviv, agora tambem com um Adido Aeronautico, e já há varias decadas desenvolve intensa cooperação tecnica com as FDI, contribuindo para incrementar os laços de amizade que unem as duas nações amigas. É significativo o numero de militares que fazem intercambio em Israel, bem como a contrapartida na forma de visitantes e atuação dos Adidos militares de Israel no Brasil. No pós-guerra, os vencedores consideraram que uma outra Alemanha ressurgia das cinzas do
passado tenebroso. Essa hipotese se confirmou em nosso tempo, quando a Alemanha se tornou uma nação amiga tanto do Brasil quanto de Israel. O Brasil, que combateu na Italia o nazi-fascismo, e Israel, referencia espiritual dos descendentes de 6 milhoes de vitimas inocentes, e de 1,5 milhão de soldados judeus das nações aliadas, fizeram frente a um inimigo comum, venceram e com o passar do tempo iniciaram um novo capitulo de relacionamento.

Jamais saberemos com total certeza se o Major Otto foi realmente um nazista, ainda que as circunstancias da sua readmissao na Bundeswher indiquem possivelmente que não. Na verdade, ele foi apenas um dos milhoes de alemaes a quem foi permitido recomeçar a vida, independente de culpa. Se a justiça tivesse que ser abrangente, milhoes teriam que passar pelos tribunais, mas na verdade o que aconteceu foi uma lamentavel anistia branca quase que total. Talvez a homenagem devesse ser evitada. Mas teriam havido homenagens aos conselheiros militares e instrutores alemaes em Israel que lá serviram a partir de 1956? E o embaixador que serviu na Whermacht? Teria sido homenageado tambem? Evitar tais homenagens possivelmente de nada serviria para fazer justiça, ainda que tardia. Se tinha as maos imaculadas do sangue de inocentes, o Major Otto morreu sem culpa. Mas se foi mesmo um criminoso de guerra oculto, a Justiça Divina demorou um quarto de século, mas o alcançou longe da Alemanha, em uma rua do Rio de Janeiro, quando em lugar de outro que deveria ser morto pelo comando terrorista, finalmente teria pago pelos seus crimes. O Eterno, que tudo conhece, tudo pode, talvez um dia permita a nós, simples mortais, conhecer a verdade. Até lá, o Exército Brasileiro jamais poderá ser acusado de ter homenageado um nazista.


Esclarecimento do Exército brasileiro