Conheça a incrível história da judia Hedy Lamarr, considerada a “mãe do wi-fi” que fugiu do nazismo para virar inventora e atriz em Hollywood

Nascida em Viena, em 1914, Hedy Lamarr se casou com o homem mais rico da Áustria, fugiu do casamento para os EUA, tornou-se uma das atrizes mais bem pagas de sua época e inventou um sistema de comunicações de torpedos que hoje é a base para tecnologias como Wi-Fi e Bluetooth. “A vida dela foi maior do que a ficção”, compara a escritora Marie Benedict, que acaba de lançar no Brasil o livro “A Única Mulher” (Editora Planeta), um romance baseado na história da atriz.

Hedy, ou melhor, Hedwig Eva Maria Kiesler, percebeu que, como as Leis de Nuremberg eram um grande passo na consolidação do ódio contra os judeus, e que seu marido Friedrich Mandl, dono da Hirtenberger Patronen-Fabrik, uma fábrica de armas e munições militares, e um dos homens mais influentes do país, começava a fazer negócios com os alemães, ela conseguiu fugir para Los Angeles. Foram meses de planejamento: primeiro, pediu ao marido para ter uma funcionária à sua disposição. Ao contratá-la, escolheu com cuidado uma mulher que se parecesse com ela, ao menos no porte, altura e cor do cabelo. Comprou um carro usado para a criada, sob o pretexto de que ela necessitaria de um meio de locomoção entre as diferentes residências da família. E, no período, economizou a mesada que recebia do marido.

A noite escolhida para a fuga foi a de um jantar importante, assim poderia usar também um conjunto de joias Cartier que custava uma pequena fortuna. Ao longo da refeição, ensaiou um falso mal-estar. Acreditando que ela pudesse estar grávida, o marido concordou em deixá-la sair do evento para descansar. Era também a desculpa perfeita para pedir à funcionária que a acompanhasse em um chá digestivo, que Hedy batizou com um sonífero. Vestida com roupas iguais à da criada, saiu de carro sem despertar suspeitas e foi até a França. De lá, atravessou o Canal da Mancha e chegou a Londres, a primeira parada rumo à nova vida. Com Hitler em ascensão, o único lugar seguro para uma judia imigrante trabalhar como atriz era do outro lado do Atlântico.

Não à toa, a própria criação de Hollywood é atribuída a esses imigrantes, conforme descreveu Neal Gabler em 1989 no livro “An Empire of Their Own: How the Jews Invented Hollywood” (“Um império próprio: como os judeus inventaram Hollywood”, em tradução livre, sem edição em português), uma das obras mais completas sobre o assunto. Nos EUA, foi apresentada a ninguém menos que Louis B. Mayer, chefe do estúdio MGM. E negociou o salário, em um tempo em que as mulheres sofriam profunda discriminação. “Você pode escrever um livro inteiro sobre como ela era poderosa, corajosa e forte diante das engrenagens do poder”, relata a autora. “Mayer foi provavelmente o homem mais poderoso de Hollywood, senão dos EUA. E ela teve a tenacidade de enfrentá-lo desde o início, exigir mais do que ele estava oferecendo, algo extremamente incomum na época”.

Em Hollywood passou a ser conhecida por Hedy Lamarr. A carreira em Hollywood despontou. A situação em sua terra natal era cada vez mais crítica e, tendo visto de perto o potencial bélico de destruição, Hedy se preocupava especialmente porque sua mãe permanecera na Áustria. Enquanto enfrentava burocracias legais para levá la aos EUA, decidiu tomar para si a missão de tornar a ofensiva dos Aliados contra o nazismo mais eficaz. Por causa de sua experiência como esposa de Mandl, sabia que, de todos os armamentos produzidos, os torpedos eram o que tinham maiores problemas. Além de imprecisos, eram também suscetíveis à interferência do sinal por navios inimigos.

Ao conhecer o compositor George Antheil em uma festa, Hedy teria tido um momento “Eureka”: o dueto espontâneo que fizeram no piano, em que ele transmitia um sinal e ela seguia, fez Hedy pensar que Antheil era o “transmissor de um sinal”, Conheça a incrível história da judia Hedy Lamarr, a “mãe do wi-fi” que fugiu do nazismo para virar inventora e atriz em Hollywood como um submarinista ou um marinheiro, e ela, a receptora, ou um torpedo. Se o marinheiro e o torpedo constantemente pulassem de uma frequência de rádio para outra, assim como os dois fizeram ao piano, a comunicação se tornaria praticamente impossível de obstruir. Durante meses, trabalharam na invenção. Até que em outubro de 1940, início da Segunda Guerra Mundial, finalmente chegaram ao sistema de alternância de sinal de rádio para ser usado em torpedos e despistar radares nazistas. Submeteram a invenção ao Conselho Nacional de Inventores que, um anodepois, comunicou a decisão; a Marinha dos EUA considerava usar o sistema em seus torpedos.

Apesar de toda a insistência, o sistema só passou a ser utilizado em 1962. Logo depois, perdeu a exclusividade militar e se tornou a base de várias tecnologias atuais, como o GPS e o wi-fi. Hedy, por sua vez, só foi reconhecida oficialmente em 1997, quando recebeu uma menção honrosa do governo americano por ter aberto novos caminhos da eletrônica. “Ela ficaria satisfeita de ver que teve um papel importante a longo prazo, não só por causa do wi-fi, mas por fazer a sociedade e as mulheres realmente pensarem sobre como o trabalho delas importa e como é necessário levar as mulheres a sério”, afirma a autora do livro.

Em 2014, Hedy entrou para o hall da fama dos inventores dos EUA e passou a ser mais conhecida pelo público em geral. Além do livro de Benedict, um documentário foi produzido sobre sua história em 2017 e uma minissérie protagonizada por Gal Gadot (“Mulher-Maravilha”) deve ser lançada pela Apple em breve.