Ator Sérgio Mamberti encarna vítima do Holocausto em espetáculo

Em meados da década de 1940, uma alemã refugiada da guerra frequentava a casa da professora de escola pública Maria José Mamberti e do diretor do Clube de Regatas de Santos, Ítalo Mamberti, para ouvir rádio e ter notícias dos ataques nazistas que tomavam a Europa desde 1939. Foi por meio dela e da comunidade judaica que crescia em Santos, no litoral paulista, que o jovem Sérgio Mamberti teve o primeiro contato com a cultura e a realidade do povo judeu em meio ao Holocausto.

Influenciado pelos pais a ser artista, o ator construiu carreira que esbarrou na história desse povo desde que, em 1976, deu vida ao pai da personagem-título de “O Diário de Anne Frank”. O papel veio por conta do casamento com a atriz Vivien Mahr, de família ortodoxa. “Com a senhora que ouvia rádio nos meus pais, tive uma dimensão humana dos alemães. Ela estava sempre assustada com os discursos do Hitler”, lembra o ator, aos 63 anos de carreira.

Ele coleciona papéis ligados ao tema, como a personagem-título de “Visitando o Sr. Green”, de Jeff Baron, peça na qual atuou por mais de cinco anos e que marcou seu retorno aos palcos após hiato de 11 anos ocupando cargos no Ministério da Cultura. Depois desse período, o ator emendou trabalhos e, só neste ano, levou “Sr. Green” para representar o Brasil num festival na Rússia, viajou o país com “Um Panorama Visto da Ponte”, produzido por sua Mamberti Produções, realizou uma exposição comemorativa de seus 80 anos no espaço da galerista Regina Boni, escreveu, ao lado do jornalista Dirceu Alves Jr., sua primeira autobiografia e recebeu uma homenagem da Associação Paulista de Críticos de Artes. Agora, se prepara para atuar em “O Ovo de Ouro”, de Luccas Papp, sob a direção de Ricardo Grasson, que acaba de estrear no Sesc Santo Amaro. “Pensei que não faria mais nada neste ano, porque foi um período de muito trabalho, eu precisava de um tempo para descansar. Mas quando o Grasson me mandou o texto, não tive como não fazer”. Ele vê na obra um importante discurso sobre totalitarismo.

Escrito originalmente em 2014, quando Papp ainda cursava filosofia na USP, “O Ovo de Ouro” põe em cena a figura do Sonderkommando, judeus que eram obrigados a trabalhar nos campos de concentração e executar os demais prisioneiros. “Quando estudei o contratualismo, meu trabalho foi a relação da temática de Rousseau, Thomas Hobbes e o nazismo. Rousseau diz que o homem é bom e a sociedade o transformou, enquanto Hobbes diz que a natureza não foi controlada. No meio disso, surgiu a figura do Sonderkommando”, conta Papp, que quis resgatar a memória dessas figuras. “É um percentual ridículo de pessoas que conhece a história desse povo. Nós sabemos quem foi Hitler, mas não sabemos os nomes das vítimas, não só pela quantidade, mas porque, no nosso subconsciente, elas não importam”, diz. O convite para Mamberti partiu do diretor. “Eu sabia que o Sérgio seria ideal porque ele representa essa força política do espetáculo”, afirma. “É uma tragédia universal. As pessoas que reconhecerem o momento atual vão se emocionar, e as que não reconhecerem também”, diz Mamberti. “O discurso do Hitler conversa com o que estamos vendo em todo o mundo. É inevitável que eu, com a minha história, me reporte ao que está acontecendo”, finaliza.